Estamos no Sábado
Santo, dia do silêncio, da escuta, do reservar-se interiormente a fim de
encontrarmos em nosso coração as respostas capazes de nos fazer compreender o
emudecer que se deu quando Jesus morreu. Poderíamos fazer um exercício de se
colocar na pessoa de Maria, a Mãe de Jesus; na pessoa do discípulo amado; na
pessoa de José de Arimatéia, de Maria Madalena e de tantos outros... o que se
passava em seus corações? Quais os meus sentimentos hoje, olhando para a morte
de Jesus que é sem dúvida uma antecipação de nossa morte? Porque o silêncio é o
protagonista deste dia?
Façamos uma reflexão
a partir das palavras do Papa Emérito, Bento XVI, quando no ano de 2010 o mesmo
fazia uma visita à Turim por ocasião da exposição do Santo Sudário.
Acompanhemos quão bonito significado para o Sábado Santo.
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Queridos amigos!
Para mim, este é um momento muito
esperado. Estive diante do Santo Sudário noutras ocasiões, mas desta vez vivo
esta peregrinação e esta reflexão com intensidade particular: talvez porque o
passar dos anos me torna ainda mais sensível à mensagem deste extraordinário
Ícone; talvez, diria sobretudo, porque estou aqui como Sucessor de Pedro e
trago no meu coração toda a Igreja, aliás, toda a humanidade. Dou graças a Deus
pelo dom desta peregrinação e também pela oportunidade de partilhar convosco
uma breve meditação, que me foi sugerida pelo subtítulo desta solene Ostensão: "O
mistério do Sábado Santo".
Pode-se dizer que o Sudário é o Ícone
deste mistério, o Ícone do Sábado Santo. De fato, é um lençol sepulcral, que
envolveu o corpo de um homem crucificado totalmente correspondente a quanto os
Evangelhos nos dizem de Jesus, o qual, crucificado por volta do meio-dia,
expirou aproximadamente às três da tarde. Ao anoitecer, porque era Parasceve,
isto é a vigília do sábado solene de Páscoa, José de Arimateia, um rico e
competente membro do Sinédrio, pediu corajosamente a Pôncio Pilatos para poder
sepultar Jesus no seu sepulcro novo, que tinha sido escavado na rocha a pouca
distância do Gólgota. Ao obter a autorização, comprou um lençol e, deposto o
corpo de Jesus da cruz, envolveu-o com o lençol e colocou-o naquele túmulo (cf.
Mc 15, 42-46). Assim refere o Evangelho de Marcos, e com ele concordam os
outros Evangelistas. A partir daquele momento, Jesus permaneceu no sepulcro até
ao alvorecer do dia seguinte que era sábado, e o Sudário de Turim oferece-nos a
imagem de como era o seu corpo estendido no túmulo durante aquele tempo, que
foi breve cronologicamente (cerca de um dia e meio), mas imenso, infinito no
seu valor e significado.
O Sábado Santo é o dia do escondimento
de Deus, como se lê numa antiga Homilia: "O que aconteceu? Hoje sobre a
terra há um grande silêncio, grande silêncio e solidão. Grande silêncio porque
o Rei dorme... Deus morreu na carne e desceu para abalar o reino dos
infernos" (Homilia sobre o Sábado Santo, pg 43, 439). No Credo, nós
professamos que Jesus Cristo "padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado,
morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro
dia".
Queridos irmãos, no nosso tempo,
especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade
tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento
de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira
existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando
cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu: "Deus está
morto! E quem o matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando bem,
é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a repetimos na
Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos. Depois de
duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima e Nagasaki, a nossa época
tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez maior: a escuridão desse dia interpela todos os que
se questionam sobre a vida, de modo particular interpela a nós, crentes. Também
nós somos responsáveis por esta escuridão.
E, no entanto, a morte do Filho de Deus,
de Jesus de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de
consolação e de esperança. Isto faz-me pensar no fato de que o Santo Sudário se
comporta como um documento "fotográfico", dotado de um
"positivo" e de um "negativo". Com efeito, é exatamente assim:
o mistério mais obscuro da fé, ao mesmo tempo, é o sinal mais luminoso de uma
esperança que não tem confim. O Sábado Santo é a "terra de ninguém"
entre a morte e a ressurreição, mas nesta "terra de ninguém" entrou
Um, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem:
"Passio Christi. Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente
deste momento, está a testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na
história da humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou
não só o nosso morrer, mas inclusive o nosso permanecer na morte. A
solidariedade mais radical.
Naquele "tempo-além-do-tempo"
Jesus Cristo "desceu à mansão dos mortos". O que significa esta
expressão? Quer dizer que Deus, feito homem, chegou até ao ponto de entrar na
solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega raio de amor algum, onde
reina o abandono total sem palavra de conforto alguma: "mansão dos mortos". Jesus Cristo,
permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar
também a nós a ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma
sensação assustadora de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto,
como quando somos crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a
presença de uma pessoa que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exatamente
isto no Sábado Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o
impensável: ou seja, que o Amor penetrou "na mansão dos mortos":
também no escuro extremo da solidão humana mais absoluta nós podemos escutar
uma voz que nos chama e encontrar alguém que nos pega pela mão e nos conduz
para fora. O ser humano vive porque é amado e pode amar; e se até no espaço da
morte penetrou o amor, então também lá chegou a vida. Na hora da extrema solidão
nunca estaremos sozinhos: "Passio Christi. Passio hominis".
Este é o mistério do Sábado Santo! Exatamente
do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz de uma esperança nova: a luz
da Ressurreição. E eis que, parece-me, olhando para este Santo Lençol com os
olhos da fé se perceba algo desta luz. Com efeito, o Sudário foi imerso naquela
escuridão profunda, mas ao mesmo tempo é luminoso; e eu penso que se milhões e
milhões de pessoas vêm venerá-lo – sem contar quantos o contemplam através das
imagens – é porque nele não vêem só a escuridão, mas também a luz; não tanto a
derrota da vida e do amor, mas ao contrário, a vitória, a vitória da vida sobre
a morte, do amor sobre o ódio; vêem a morte de Jesus mas entrevêem a sua
Ressurreição; agora a vida pulsa no seio da morte, porque lá inabita o amor.
Este é o poder do Sudário: do rosto deste "Homem do sofrimento", que
traz em si a paixão do homem de todos os tempos e lugares, também as nossas
paixões, os nossos sofrimentos, as nossas dificuldades, os nossos pecados –
"Passio Christi. Passio hominis" – promana uma solene majestade, um
senhorio paradoxal. Este rosto, estas mãos e estes pés, este lado, todo este
corpo fala, ele próprio é uma palavra que podemos escutar no silêncio. De que
modo fala o Sudário? Fala com o sangue, e o sangue é a vida! O Sudário é um
Ícone escrito com o sangue; sangue de um homem flagelado, coroado de espinhos,
crucificado e ferido no lado direito. A imagem impressa no Sudário é a de um
morto, mas o sangue fala da sua vida. Cada traço de sangue fala de amor e de
vida. Especialmente a mancha abundante próxima do lado, feita de sangue e água
derramados abundantemente de uma grande ferida causada por um golpe de lança
romana, aquele sangue e aquela água falam de vida. É como uma fonte que murmura
no silêncio, e nós podemos ouvi-la, podemos escutá-la, no silêncio do Sábado
Santo.
Queridos amigos, louvemos sempre o
Senhor pelo seu amor fiel e misericordioso. Partindo deste lugar santo, levemos
nos olhos a imagem do Sudário, levemos no coração esta palavra de amor e
louvemos a Deus com uma vida plena de fé, de esperança e de caridade. Obrigado.
Fonte: Santa Sé
Sugestão de pauta: Madre Annalisa Galli
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