Eis o lenho da Cruz do qual pendeu a salvação do mundo – é
essa verdade que acolhemos na Celebração da Paixão do Senhor, enquanto o
preside proclama cantando-a de modo ascendente, a comunidade reunida confirma,
respondendo: Vinde,
adoremos. Ou seja, do madeiro da cruz
o Senhor nos libertou dos nossos pecados e culpas.
A liturgia celebrada pela Igreja, neste dia santo, tem um
caráter de despojamento, de entrega, de oferta. O centro do Mistério que
celebramos, Cristo, oferta toda a sua vida ao Pai, não poupando-se a si mesmo,
mas totalmente despojado, humilhado entrega-se à plenitude do projeto de Deus
para resgatar a humanidade da morte, da dor, da escravidão e, com isso,
configurá-la a uma nova realidade histórica, a qual é convidada a
experimentar a salvação de Deus.
Escolhi o texto bíblico: Cristo, Servo de Deus, da Carta aos
Filipenses, capítulo 2, versículos 6-11, uma vez que este nos apresenta a
realidade ofertorial de Jesus na sua entrega despojada na árvore bendita da
Cruz:
Embora fosse de divina condição, Cristo Jesus não se apegou
ciosamente, a ser igual em natureza a Deus Pai. Porém esvaziou-se de sua glória e assumiu a
condição de um escravo, fazendo-se aos homens semelhante. Reconhecido exteriormente como homem, humilhou-se, obedecendo
até à morte, até à morte humilhante numa cruz.Por isso Deus o exaltou
sobremaneira, e deu-lhe o nome mais excelso, mais sublime, e elevado muito
acima de outro nome. Para que perante o nome de Jesus, se dobre reverente todo
joelho, seja nos céus, seja na terra ou nos abismos. E toda língua reconheça,
confessando, para a glória de Deus e seu louvor: ‘Na verdade Jesus Cristo é o
Senhor!’
Jesus,
totalmente Deus; Jesus, totalmente Homem. Como nos apresenta o Evangelista
João, no canto da encarnação: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus[...]
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, glória
que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade.” (Jo 1,
1. 14). Jesus foi um homem totalmente livre, tão livre ao ponto de
não apegar-se à sua natureza divina. Sendo Deus, não se autodefendeu do cálice
pelo qual deveria passar, mas livre e despojadamente levou a termo à missão que
o Pai lhe confiara.
Jesus,
em tudo foi igual aos homens, exceto no pecado. Esvaziou-se daquilo que era em-si
para assumir uma condição que não lhe era própria, mas para fazer-se um com
todos e para sentir as dores do povo, ao qual veio libertar, tornou-se vítima
pelos nossos pecados. Assim, Jesus “[...] unindo a si tudo o que é humano,
aceitando também os vazios e as ambiguidades do nosso dizer [...] declarando
sua, desde sempre, a realidade assumida [...]”[1]. Ele fez-se homem para
libertar a nossa humanidade propensa ao pecado.
Veio
para relevar-nos o Rosto do Pai e, com isso, restaurar o Projeto do Amor de
Deus para a humanidade, já que pela desobediência do pecado, nos afastamos e
desconfiguramos a concretude desse mesmo Projeto. Jesus, o homem obediente, deixou-se
conduzir pelo Espírito, desde o Jordão até o Gólgota. Como nos diz Perego: “O
eco entre a cena do batismo e a morte de Jesus, como também a ligação com
alguns do Antigo Testamento, conferem um significado teológico particular à
‘consagração’ de Jesus: esta é inaugurada no Jordão, mas seu cumprimento
acontece no Gólgota, no final de sua existência terrena. A condição humana
assumida até a morte de cruz torna-se o lugar a partir do qual o Espírito se
infunde sobre todas as criaturas, justamente como, na abertura, o mesmo
Espírito descera sobre Jesus”[2].
Portanto,
caro/a irmão/ã, mergulhemos em tão grande mistério de amor... O sacrifício de
Jesus - sacrifício perfeito e santo - nos ajuda a compreendermos os nossos
pequenos sacrifícios diários, as pequenas cruzes que a vida nos pede de
carregá-las. Não nos fechemos em nosso egoísmo e, muito menos, não nos
esquivemos de sermos também nós, oferendas vivas para que o amor de Deus se
plenifique em cada coração humano.
Servir
e amar. Amar e servir, sempre e em qualquer lugar. A vida toda de Jesus foi
amor e serviço, o seu manto real foi o avental, e a sua maior prova de amor foi
ter dado a sua própria vida para ‘pagar a conta’ que, por nós mesmos não
conseguiríamos ‘pagá-la’ com o Pai. Assim, a imolação de Jesus foi “como um ato
de ‘imersão plena’ na História e nas vicissitudes da humanidade, assumidas e
vividas até o fundo, redimidas pela lógica do despojamento e do dom total de si”[3].
Como
Jesus, despojemo-nos, despojemo-nos, despojemo-nos. Eis o segredo para a
felicidade em Deus. Parece-nos contraditório, mas não o é. Despojar-se e
entregar-se, por amor, em favor dos irmãos são as atitudes próprias de
conformação a Cristo, Servo de Deus.
Ó
Bendita cruz, ó adorável cruz, te adoramos Santa Cruz!
André Vinícius Mendes de Sá
Noviço dos Religiosos da S. Face
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